Por Valéria Maria
O campo da pulsão é vasto, mas podemos comentar, ainda que brevemente, alguns dos seus lugares – a começar pela própria contingencialidade de tudo que nos rodeia. Todo e qualquer objeto é contingencial, está sempre no lugar da possibilidade que algo se realize ou não. A vida é esse emaranhado temporário, eventual, momentâneo. A vida é um acontecimento contingencial.
A pulsão atravessa-nos e move-nos. Algumas vezes não conseguimos dar nomes ao que queremos, não conseguimos ver o objeto real. A pulsão carece e precisa de uma descarga em objeto representacional. A pulsionalidade humana, segundo Freud, tem uma fonte sempre corporal. A pulsão dirige-se sempre a um objeto, mas ela não encontra o seu objeto, porque o objeto da pulsão é por definição um objeto perdido; a pulsão é geradora de conflitos que gera os sintomas.
As pulsões são dispostas em três fazes: 1 – Agressividade prazer, que consiste em pulsão sexual, do prazer. 2 – Ato de conservação, que é um desenvolver-se olhando para si, tendo até que realmente recalcar algumas coisas para poder existir, mas o processo de conhecer a si, de olhar-se e entender e elaborar seus desejos poderá auxiliar na autoconservação. 3 – Pulsão de vida e de morte: a pulsão de vida é sexual, a libido, a autoconservação, é uma pulsão voltada ao exterior, ao social. É reconhecer que existimos na imperfeição e que os objetos representacionais são contingenciais. Entendermos a nós mesmos e reconhecermo-nos em nossos desejos tornarão nossas vidas menos angustiantes. A pulsão de vida é ir, é movimentar-se, é caminhar. A pulsão de morte diz respeito a não querermos viver mais as tensões do movimento da vida, quando o desejo é se livrar de tudo, de pulsar para o lugar estável como aquele que antecedeu o nascimento. Pulsão de vida é orgânica; pulsão de morte é inorgânica.
Na psicanálise, falar de pulsão é considerar que existe a moral do que é certo ou errado. O que se forma na criança de 0 a 7 anos é uma sequência de traumas que irão definir suas relações e seus comportamentos. Nós sujeitos estamos sempre em sofrimento. Assim, no exercício da psicanálise, a partir da perspectiva teórica, o analista terá uma escuta atenta e isenta de julgamentos. Todo analista precisará estar atento ao setting analítico para que este seja um espaço do sujeito em análise, ajudando o indivíduo a decompor seus traumas, oxigenar seu inconsciente com consciência e fazer as pazes com seu percurso.
Quando procuramos a análise, é muito provável que seja porque já não é possível aguentarmos o sofrimento. É porque o comportamento regrado já provocou tantas neuroses que nós precisamos nos libertar, nós precisamos viver. Para vivermos, vamos aprender a aliviar o comportamento regrado, aceitar o devir, a mudança, e essas são tarefas muitas vezes herculanas, mas não impossíveis para quem quer viver mais leve. Afinal, toda estabilidade é uma potente dor, e mexer nessa dor de costume não é fácil. Somos neuróticos; é-nos difícil e caro, portanto, olharmos nossas dores construídas com tanta força.
Na psicanálise, enfim, nós sujeitos podemos viver o devir, pulsar pela vida, abrirmo-nos e provocarmos as mudanças que tanto desejamos. Esse devir nos ajudará a mover essa rigidez que nos impele a viver nessa regra moderna da vida como uma linha reta cheia ou vazia de likes, em uma fantasia de alguém que está longe de ser quem realmente é. Na análise, podemos usar a fala para nos livrarmos da própria fala, nos libertando, assim, dos conteúdos que nos aprisionam.
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